segunda-feira, novembro 06, 2006

‘Coronelismo não acabou no Nordeste’

Estudioso analisa derrotas de Sarney e ACM, diz que ‘há vários Nordestes’ e que o Bolsa-Família ‘trocou o coronel pelo pai dos pobres’

Gabriel Manzano Filho

José Arlindo Soares, sociólogo e professor da Universidade Federal da Paraíba

As derrotas do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL) na Bahia e do ex-presidente José Sarney - com sua filha Roseana - no Maranhão, nas últimas eleições, refletem os choques entre o velho coronelismo e um eleitorado de cultura cada vez mais urbana, mas são conseqüência, também, do fenômeno eleitoral Luiz Inácio Lula da Silva.
“Bolsões de coronelismo continuam, em níveis locais. E projetos como o Bolsa-Família estão apenas trocando alguns desses chefões por um grande pai dos pobres”, adverte o sociólogo José Arlindo Soares, professor de pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba.
Há vários Nordestes, avisa Soares: “O de Sarney, no Maranhão, tem índices de pobreza terríveis e, em matéria de lideranças políticas, parece caminhar para um vazio.” A Bahia é diferente, diz ele: “ACM montou em torno dele um grupo modernizador, de mentalidade gerencial, que tem expressão e raízes na sociedade, mas misturadas com seu típico autoritarismo.” Ele observa que o futuro dessas relações dependerá do que o novo governo Lula fizer: “Por enquanto, ele mostrou pouco, mas deu aos pobres uma utopia.” Eis a entrevista:

As derrotas de ACM na Bahia e de Sarney no Maranhão apontam para o fim do coronelismo?

A sociedade se urbaniza. E há um peso maior desse eleitorado, que quebra as políticas tradicionais de clientela. Isso ocorre no Brasil, como um todo, mas em especial no Nordeste. Mas não é um fenômeno simples. Veja o ACM: ao mesmo tempo em que mantém fortes laços de domínio local, com estrutura hierarquizada, controle de prefeitos e chefes de áreas, também promoveu uma modernização gerencial importante no Estado. O carlismo tem implementado programas estruturadores nestes últimos anos na Bahia, ainda que as informações sobre educação e saúde não sejam boas.

Então o carlismo vai sobreviver?

O carlismo tem vivido de períodos. Às vezes se esgota, enfraquece e depois retoma a força.Hoje é minoritário na capital, tem relativo apoio no interior, e entre setores mais humildes. Sofre uma fadiga de material. Em 1986, ACM foi eleitoralmente varrido por Waldir Pires, que se mostrou inepto. É difícil dizer se sua derrota é uma grande queda. Depende do governo do PT. Se a oposição ao carlismo não constituir uma força estruturadora, mais audaciosa politicamente do que ele, ACM pode voltar.

O que significa a derrota da família Sarney no Maranhão?

Esse é um exemplo do coronelismo em seu sentido mais atrasado. Sarney não modernizou o Estado, cujos indicadores sociais são os mais degradantes do Brasil. Sua liderança vai perdendo raízes. E o novo governador, Jackson Lago, já não é novo. Em matéria de lideranças, vejo o Maranhão caminhando para um vazio.
O autoritarismo de chefes locais no Nordeste continua forte?
Existem vários Nordestes. Nas capitais, o voto se parece com o do Centro-Sul. No interior, por causa da pobreza, ainda há margem para o mandonismo e políticas vinculadas a chefetes locais. O fato é que o coronelismo, como fenômeno, vem se desmilingüindo lentamente, num processo não uniforme, há uns 30 ou 40 anos.

Pernambuco sempre teve um movimento de esquerda mais ativo, com a figura de Arraes. O autoritarismo no interior subsiste?

Em Pernambuco os traços do coronelismo foram desaparecendo por causa da esquerda, que sempre trabalhou com frentes e ia procurar dissidentes nas áreas rurais. Miguel Arraes fez isso por muito tempo. Mas ele não conseguiu dar um salto, pois retomou os métodos de clientela dos coronéis. Deu-lhes um verniz ideológico, mas eram projetos típicos do clientelismo.

É diferente em outros Estados?

O Ceará, por exemplo, tem de tudo, grandes centros urbanos e áreas de muita pobreza. Mas o que fez Tasso Jereissati, presidente nacional do PSDB, ex-governador? Ele abandonou o seu candidato no Estado para apoiar o do partido que é seu adversário no plano nacional. É a submissão ao poder de mando local. No Rio Grande do Norte é mais conjuntural. Tanto Garibaldi Alves (PMDB) como Wilma de Faria (PSB) pertencem a famílias com força no eleitorado urbano e têm um pé nas hierarquias rurais. O que definiu foi o apoio de Lula.

Onde entra, nesse cenário, o Bolsa-Família?

Dá mais autonomia ao eleitor em relação ao chefete local. O cartão, que é sua fonte de sustento, vem de uma relação com um banco. Mas o cadastramento é feito pelos prefeitos e o governo Luiz Inácio Lula da Silva fez ponte direta com eles. No governo FHC eram utilizados para o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e o Bolsa-Escola os canais institucionais.

O que significa essa mudança?

Que o Lula, como o PT, prefere eliminar essas estruturas formais, fazer ponte direta com as prefeituras. Um prefeito, sozinho, pode muito pouco, fica mais fácil de dominar. Aí o Lula é o beneficiário, aparece como o novo pai dos pobres.

Do Estadão

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