Antes de viajar para os Estados Unidos, o presidente Lula, à moda de certo exterminador do passado, declarou uma “solução final” para a crise do sistema aéreo brasileiro. Exigiu dia e hora para que seus subordinados dissolvessem o aerocaos. O que eles fizeram tão logo o presidente embarcou? Pegaram um vôo e na sexta-feira estavam fora de Brasília o vice-presidente da República e os ministros da Justiça, da Casa Civil, das Relações Institucionais e da Defesa. Viajaram, naturalmente, muito bem-informados de que todas as medidas destinadas a empurrar com a barriga os controladores de vôo estavam em pleno vigor e tudo estaria bem, porque assim tem de ser. Ou de como declarou um monge budista depois de 24 horas de espera em Cumbica: “É respirar fundo, ter paciência e viver o momento.”
Parece bastante compreensível que os controladores de vôo reivindiquem melhores salários, atualização tecnológica dos instrumentos de trabalho e até a mudança do regime militarizado para o civil. São problemas que estão à mesa da embromação há seis meses. Também me afeiçoa legítimo que exerçam alguma forma de pressão política para despertar a inação governamental. O que não se pode tolerar é praticamente um governo inteiro entrar em recesso de final de semana sem ter a mínima consciência de que estava em curso um ardil destinado a parar o País. Então, o serviço secreto da Aeronáutica não percebeu a articulação do motim urdido sob o nariz do oficialato da Força? Quanto à Abin, nada percebeu, ou pior, nada lhe foi perguntado?
Ontem, em seu programa de rádio, o presidente subiu a voz para chamar os controladores de vôo de irresponsáveis ao conversar com os beneficiários do Bolsa-Família que não andam de avião. Trata-se de um exercício tardio das cordas vocais. O estrago está feito e acabado. Os sargentos quebraram a disciplina, subverteram a hierarquia, aquartelaram o governo, seqüestraram a sociedade nos aeroportos e ainda receberam o valor do resgate. Não houve negociação, mas um descontrolado governo a ceder diante da extorsão. Como não se preparou para gerir a crise, apenas adiou providências e fixou promessas, o governo foi colhido pela surpresa, enquanto o amotinamento era consumado.
O primeiro pronunciamento do Palácio do Palácio naquela sexta-feira veio quando já era longa a agonia dos passageiros noite adentro. O vice-presidente, como se estivesse a lançar uma legenda, declarou que a situação extrapolara os limites. Perfeitamente, como pode um presidente da República, por telefone e de dentro de uma aeronave, revogar a ordem de prisão expedida pelo tenente-brigadeiro-do ar, Juniti Saito, destinada a restabelecer a cadeia de comando na Aeronáutica? Como pode, um ministro da Defesa admitir que o esboço da proposta de controle do tráfego aéreo sairia em quinze dias e ato contínuo, após alguns minutos de tratativa com os amotinados, o ministro do Planejamento declarar que havia acertado com os sargentos o expurgo da própria Aeronáutica? Os controladores queriam a lua e o governo, só para ser simpático, concedeu o céu inteiro.
É tendência mundial a desmilitarização do setor, mas a medida torna-se temerária quando feita sem o planejamento acurado e regras claras de transição. O Alto Comando da Aeronáutica tem sido elogiado por não ter pedido a exoneração coletiva, o que só agravaria a crise. Por outro lado, o abandono do oficialato dos postos de comando do controle de tráfego aéreo é um sinal de que o serviço está acéfalo e dificilmente uma Medida Provisória será capaz de suprir a deficiência. Aliás, os sargentos estão no comando, o que é grave para a segurança do País e de conseqüências difíceis de prever, pois o nível de relacionamento do presidente com as Forças Armadas tende a ser biliar.
No último fim de semana, enquanto o Brasil era mais uma vez jogado à lona por uma corporação de trabalhadores veio da sede do Império a voz confortadora. O presidente George W. Bush declarou que este é o século da América Latina e da África. Bush nos atrela ao pior dos mundos, no entanto anuncia melhoras para daqui a, no máximo, 93 anos. Já o presidente Lula achou a perspectiva auspiciosa e expressou felicidade concreta ao retornar dos Estados Unidos de mãos vazias. Pelo menos ele foi e voltou sem o menor problema com o controle do tráfego aéreo e ainda provou do churrasco texano, o que é uma honraria para um latino-americano. Equivaleria a comer perna de canguru, caso estivesse em missão oficial na Austrália.
Já alguns brasileiros e brasileiras, instados por um portal de notícias, declararam a revolta com galhardo desapego à língua portuguesa. De São Paulo, certa candidata protestou por temer a perda da terceira fase de um concurso para “juis” (sic) em Salvador. Dos Estados Unidos, funcionário de uma companhia aérea, que não quis se identificar, qualificou o “caus” (sic) do sistema com quase todas as letras. Um executivo revoltado, retido no aeroporto de Cuiabá, mostrou a sua insatisfação ao qualificar o “abçurdo” (sic) a que estava sendo submetido. Hoje tem mais uma reunião presidencial para resolver a crise. Pode ser que o governo obrigue a Infraero a servir sopa de letrinhas na próxima oportunidade em que os controladores decidirem parar o Brasil.
Demóstenes Torres é senador e procurador de Justiça (Democratas-GO)
Fonte: Do Blog de Noblat
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